O Ataque e a Derrota dos Holandeses em Macau, 24 de Junho de 1622

por J. Bosco Correa

 Esta é a tradução, por Mariana Leitão Pereira, de uma versão editada a partir de um artigo que foi publicado no Boletim da Casa de Macau (Australia).

Felipe III de Espanha (Felipe II de Portugal)

Nos inícios do século XVII, Portugal tinha grandes vantagens no comércio com a China e com o Japão a partir de Macau, uma vantagem cobiçada pela Holanda. Na altura, Espanha e Portugal estavam unidas sob o reinado de Filipe III de Espanha (designado Filipe II de Portugal). Espanha e Holanda apresentavam uma longa história de conflitos, mas tinham assinado tréguas por 12 anos, de 1609 a 1621. Assim que o período de tréguas chegou ao fim, os Holandeses procuraram tomar Macau à força.

O Governador-Geral das Colónias Holandesas na Ásia, Jan Pieterzoon Coen, deu ordens para a invasão e enviou o seu comandante, Cornelis Reijersen, desde Batávia com uma frota de oito navios de guerra. A ele ir-se-iam juntar em Macau mais dois navios Holandeses e dois Ingleses, sob o comando de William Janszoon, destacados da frota Anglo-Holandesa, na altura a fazer o bloqueio ao porto de Manila, controlado por Espanha. A frota de Reijersen foi ainda reforçada por um outro navio Holandês e duas embarcações Portuguesas, capturadas ao largo de Malaca, e agora tripuladas por Holandeses, juntamente com alguns Japoneses* que se aliaram aos Holandeses.

Jan Pieterszoon Coen, Governador-Geral das Colónias Holandesas na Ásia
  • Charles R. Boxer states that 20 Japanese “had come with a fleet of Don Juan da Silva from Manila in 1621 with the object of assisting the Portuguese in Macau against the Dutch; this expedition had touched at Siam where they were overpowered and destroyed in a quarrel with the Siamese; these Japanese had escaped and now asked leave to transfer to the Dutch Service”. Some 12 or 13 of these were killed in the subsequent battle in Macau. [CR Boxer, Estudos Para A História De Macau — Seculos XVI à XVII, Fundação Oriente (Lisboa) 1991]

O esquadrão de quatro navios destacados da frota de Janszoon apareceu na rota de Macau, na manhã de 29 de Maio de 1622, na expectativa de interceptar, e de se apoderar, de navios mercadores Portugueses que eram esperados no dia seguinte, vindos da Índia e de vários portos das Índias Ocidentais, carregados de mercadoria preciosa. Porém, as suas tentativas foram em vão quando uma bem armada flotilha de lorchas foi enviada de Macau para escoltar estes mercadores em segurança até ao porto, através das ilhas.

No dia 23 – Vigília da Festa de São João Baptista – os Holandeses decidiram, após um reconhecimento, que a praia de Cacilhas seria o ponto de desembarque da operação a ter lugar no dia seguinte.

Para distrair as forças de defesa, Reijersen mandou três dos seus barcos atacar a bateria de São Francisco com um intenso bombardeamento, ao qual os Portuguese retaliaram com armas. Durante este duelo de artilharia, o qual durou quarto horas, os Holandeses bradaram às forças de defesa que o dia seguinte os viria mestres de Macau, e que as suas mulheres seriam desonradas após todos os homens terem sido mortos. Sendo óbvio que a invasão se daria no dia seguinte, Lopo Sarmento de Carvalho passou a noite a encontrar-se com os soldados e a exortá-los a lutarem até ao fim, uma vez que não poderiam esperar por misericórdia dos heréticos inimigos.

Na madrugada do dia da Festa a São João, 24 de Junho, dois barcos Holandeses deram continuidade ao bombardeamento da bateria de São Francisco, porém, desta vez, o contra-ataque Português teve mais sucesso, uma vez que um dos barcos inimigos foi destruído.

Entretanto, o ataque principal estava a ter lugar na Praia de Cacilhas, encoberto por fumo saído de um barril de pólvora humedecida, que fora acendida pelo inimigo, e por um intenso bombardeamento dos canhões dos navios, sendo o desembarque da força de assalto, composta por 600 soldados, auxiliada por 200 marinheiros armados.

A fazer frente a esta força de assalto, numa trincheira pouco profunda escavada na praia, estava uma força de cerca 60 soldados regulares Portugueses e mais ou menos 90 mosqueteiros Macaenses, sob o comando de António Rodrigues Cavalinho. No confronto que se seguiu, um tiro atingiu o Almirante Reijersen no estômago, levando-o a retirar-se para o seu navio-almirante. O Capitão Hans Ruffijn assumiu então o comando e persistiu no ataque. Com 600 homens a avançar em formação, Cavalinho e os seus homens foram forçados a recuar. Por esta altura, os Holandeses já tinham sofrido a perda de 40 homens.

Este confronto prosseguiu à medida que os mosqueteiros Portugueses iam recuando, até chegarem a uma fonte conhecida por Fonte da Solidão, localizada ao alcance da artilharia na cidade. Nesta fase, os invasores ficaram debaixo de um fogo intenso, proveniente dos canhões que haviam sido colocados pelos Jesuítas nos baluartes da incompleta fortaleza de São Paulo do Monte, onde, perante grande preocupação quando ao seu destino, as mulheres e crianças se tinham refugiado.

Um tiro foi bem disparado por um Jesuíta, Padre Jerónimo Rho, um famoso astrónomo, que acertou e rebentou com um vagão de pólvora no meio da formação Holandesa, com resultados devastadores. Do Monte, abriu-se fogo por meio de outras armas, causando ainda mais fatalidades entre os invasores.

Instalou-se o pânico, e temendo uma emboscada de um bambual próximo, os Holandeses pararam o seu avanço sobre a cidade e, vendo a ermida na Colina da Guia, com a sua altura dominante, dirigiram-se para ela. Contudo, o seu avanço pela colina foi confirmado por um grupo de trinta mosqueteiros e os seus escravos Africanos, comandados por Rodrigo Ferreira, todos bem escondidos atrás de pedregulhos. Abriram um intenso fogo sob os invasores, que não conseguiriam responder ao ataque sem se colocarem em risco.

Nesta altura, os comandantes Portugueses das fortalezas de São Tiago, à entrada do Porto Interior, e de São Francisco, ao aperceberem-se que o ataque estava centrado somente na Praia de Cacilhas, enviaram 50 Mosqueteiros sob o comando de João Soares Vivas, de modo a reforçar a principal força de defesa, comandada por Lopo Sarmento de Carvalho, que se estava a preparar para um contra-ataque decisivo.

Os reforços chegaram no momento crítico. Os Holandeses consideraram a sua posição insustentável: tinham perdido o depósito de pólvora; tinham-se confrontado com uma resistência inesperadamente forte; sofrido graves baixas, e estavam fatigados do constante conflito no calor do verão, além de que estavam em perigo de serem cercados. Como tal, decidiram retirar-se para os barcos antes que fosse demasiado tarde.

Lopo Sarmento de Carvalho aproveitou a oportunidade e ordenou um ataque, gritando “São Tiago e a eles!”, um grito de guerra português. Os seus homens, ansiosos, não precisaram de mais encorajamento, e avançaram sobre os Holandeses. A eles rapidamente se juntaram os cidadãos Macaenses, os seus escravos Africanos, bem como Jesuítas armados e Frades.

Os Holandeses perderam a moral ao verem o seu comandante, o Capitão Ruffijn, atingido por um tiro. Aterrorizados pela furiosa ofensiva da defesa, particularmente dos escravos Africanos, que eram impiedosos e não davam tréguas, os Holandeses deram meia volta e retiraram-se em debandada, largando as suas armas e os estandartes. Na retaguarda também se estabeleceu o pânico e os marinheiros, preocupados que os seus escaleres se virassem pelos seus amedrontados camaradas, fizeram-se ao mar, deixando para trás as tropas à mercê do aço frio dos Portugueses e dos seus Africanos, ou à mercê de uma sepultura no mar.

Estimou-se que os Holandeses sofreram cerca de quinhentas baixas, incluindo a morte de dezoito oficiais. Um capitão e vários soldados foram feitos prisioneiros. Perderam todo o seu armamento, bandeiras, tambores e outro equipamento. Os vitoriosos recolheram mais de 1000 armas do campo de batalha. A defesa sofre a perda de quatro Portugueses, dois Espanhóis e vários escravos Africanos. Cerca de vinte ficaram feridos.

St John the Baptist

Em pouco mais de três horas neste fatídico dia, a poderosa força Holandesa foi totalmente derrotada por um pequeno, mas determinado grupo de Portugueses. No próprio campo de batalha, os vencedores libertaram os seus escravos Africanos, um sinal de reconhecimento da sua lealdade e bravura.

A população inteira esteve presente no Te Deum que teve lugar na Catedral, em agradecimento pela grande vitória, atribuída à intervenção de São João Baptista, a quem o dia era dedicado. São João foi declarado o Santo Patrono de Macau. Até aos dias de hoje, o dia 24 de Junho, Dia de São João, é celebrado em Macau com uma Missa especial na Sé Catedral, à qual assistem os dignatários locais

Conta a lenda que a rota escolhida pelos invasores Holandeses se deveu à aparição de São João Baptista, que, perante os surpreendidos Holandeses, trajava um manto que desviada todas as investidas inimigas.

Macaenses por todo o mundo têm tradicionalmente celebrado este dia em casa, usualmente com uma celebração farta, que no geral inclui sumptuosas sobremesas e uma grande variedade de frutas tropicais e exóticas. Diz a lenda que ninguém sofre depois de se deliciar com tal festim neste dia em particular, devido à protecção de São João.

Espera-se que, talvez, nós Macaenses, consigamos reavivar esta maravilhosa tradição e nos consigamos juntar onde quer que estejamos para comemorar o dia de festa do nosso Santo e celebrar, uma vez mais, a nossa heroica vitória de 1622!

1 function special_tooltip_shortcode($atts) { // Default attributes $atts = shortcode_atts(array( 'keyword' => 'Test Tooltip', 'id' => '123', 'items' => '', ), $atts); // Escape output $keyword = esc_html($atts['keyword']); $id = (int) $atts['id']; // Clean items: remove empty lines $lines = preg_split('/\r\n|\r|\n/', $atts['items']); $clean_lines = array_filter(array_map('trim', $lines)); // Trim each line, remove empty $items = ''; foreach ($clean_lines as $line) { $items .= esc_html($line) . '
'; } // Fixed base URL $url = "https://www.macaneselibrary.org/macfams/priv/english/"; // Build output $output = "
{$keyword} #{$id}
{$keyword} #{$id} {$items} Details are in the private website: Already logged in?
Register or login?
"; return $output; } add_shortcode('specialtooltip', 'special_tooltip_shortcode');